O bom é a troca de experiência’, diz Daniele (à direita) no Mário Covas Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

Nos 23 anos em que atua como enfermeira em unidades de terapia intensiva (UTIs), Sandra de Lourdes de Lima Santos da Luz, de 48 anos, sempre soube reconhecer a fragilidade dos pacientes ali, que demandam mais cuidado para evitar infecções hospitalares. Eles são o foco de um trabalho anunciado há um ano e que já apresenta resultados em 119 hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS).

Profissionais da rede pública estão recebendo treinamento em cinco hospitais particulares de referência no País. Com a padronização de procedimentos na UTI, o projeto conseguiu uma redução de 23% nas ocorrências de infecção hospitalar nas unidades e tem como meta chegar à queda de 50% até 2020.

Coordenadora de enfermagem da UTI São Lucas do Hospital Municipal Santa Isabel, em João Pessoa (PB), Sandra diz que o hospital contava com um núcleo de segurança do paciente e todos os profissionais trabalhavam para evitar a contaminação, mas a proposta trouxe uma revolução. “Com pequenas coisas que nos ensinaram, a gente tem conseguido reduzir (casos de infecção), mesmo com todas as dificuldades. Não é cada um fazendo do seu jeito, agora temos práticas em conjunto.”

Funcionária há 18 anos, ela diz que é a primeira vez que participa de um projeto dessa natureza. “A gente nunca teve um tutor nem especialistas como eles, que dão muita atenção e vêm ver de perto o que a gente está fazendo. O hospital ganha crédito dentro de uma sociedade que está desacreditada.”

Foco

Os tutores são a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital Sírio-Libanês, o Hospital do Coração (HCor) e o Hospital Moinhos de Vento, que fizeram uma parceria com o Ministério da Saúde por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), projeto financiado com recursos de isenção fiscal. O trabalho, realizado em 25 Estados, se concentra em diminuir três tipos de infecção: na corrente sanguínea, no trato urinário e a pneumonia associada à ventilação mecânica.

“O diferencial é a aprendizagem, como melhorar as UTIs com o recurso disponível. O projeto não tem a intenção de fazer reformas e obras. É para redesenhar o processo assistencial com recursos disponíveis”, explica Cláudia Garcia de Barros, coordenadora-geral da iniciativa e diretora da área de qualidade e segurança do Albert Einstein. Revisar o passo a passo desde o ato de lavar as mãos, passando pelo colocar sondas e até o planejamento de compra dos dispositivos para uso nos pacientes são processos que fazem parte da iniciativa, envolvendo não só enfermeiros e médicos, mas integrantes da diretoria. “São projetos para melhoria em larga escala no Brasil.”

Fim de infecções reduz custo em R$ 1,2 bilhão

O Ministério da Saúde afirma que a redução das ocorrências de infecção hospitalar influencia diretamente os custos das unidades e a vida dos pacientes. “O projeto se propõe a salvar 8.500 vidas nas UTIs dos hospitais participantes e, com isso, reduzir o custo de internações em até R$ 1,2 bilhão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as Infecções Relacionadas a Assistência à Saúde (Iras) são os eventos adversos que mais matam nos serviços de saúde em todo o mundo.

Para definir quais unidades participariam do projeto, houve um processo seletivo. Em Santo André, na Grande São Paulo, uma das UTIs do Hospital Estadual Mário Covas recebeu o treinamento e já está há seis meses sem casos de infecção por ventilação mecânica e cinco meses sem registros de infecções do trato urinário nem sanguíneas, segundo Rodrigo Brolo, gerente de qualidade e processos do hospital. “No ano passado, tivemos entre duas e três por mês.”

Enfermeira da UTI, Daniele Alves Scatolin, de 35 anos, trabalha no hospital há nove meses e diz que se sentiu premiada com a capacitação. “Ela me ajudou muito, porque a gente percebeu que não precisa de tecnologia para envolver a equipe, mas comprometimento. Falo que recebi um troféu, não só como profissional, mas como pessoa. A gente pode fazer o melhor para dar assistência segura para o paciente. O bom de ter hospitais de ponta é a troca de experiências e o aprendizado. É possível fazer a diferença no SUS.”

A enfermeira do controle de infecção hospitalar do hospital Gisele Ribeiro, de 34 anos, diz que os profissionais estão mais atentos. “Os nossos recursos são os básicos, mas, agora, temos uma equipe atenta aos pequenos detalhes, como cobrar a higiene das mãos de todos.”

Padronização

No Hospital Universitário Onofre Lopes, em Natal (RN), o conhecimento já está sendo replicado entre os alunos de Medicina. “Temos uma grande presença de estudantes e residentes”, diz a médica cardiologista intensivista Eliane Silva, de 51 anos, que trabalha no local há 20 anos. Ali, a revisão nas práticas também é passada para os familiares. “Existe uma maneira correta de lavar as mãos, com tempo de fricção, e a gente sabe que a prática tem de ser feita por quem visita.”

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