A biópsia para a comprovação de um câncer é feita a partir de amostras de tecido retiradas do paciente. O processo, contudo, pode ser invasivo e, a depender do tipo de tumor, impossível de ser feito. Casos da doença no cérebro são um exemplo. Assim, pesquisadores da bioengenharia buscam tecnologias que forneçam procedimentos mais simples e resultados igualmente satisfatórios. É o caso do dispositivo criado por cientistas da Universidade de Illinois em Chicago, nos Estados Unidos, e da Universidade de Tecnologia da Austrália. A solução consegue separar células cancerígenas a partir de uma amostra de sangue com até 93% de eficiência.

Células tumorais circulantes (CTCs) são produtos diretos de um tumor primário e podem ser encontradas na corrente sanguínea. Além de sinalizar a doença, esses biomarcadores podem ser eficientes, também, para acompanhar os efeitos do tratamento. Compreendendo o potencial dessas estruturas, a equipe de pesquisadores criou um chip plástico que diferencia CTCs das demais células no sangue a partir de diferenças no tamanho das partículas. Detalhes do trabalho foram apresentados, em fevereiro, na revista Nature Microsystems & Nanoengineering.

A tecnologia não só funciona como uma alternativa aos métodos tradicionais de biópsia, mas também barateia e facilita o processo para casos em que não há aparelhos sofisticados disponíveis, conta ao Correio Ian Papautsky, um dos autores do artigo. “Em algumas populações rurais ou de baixa renda, o acesso a equipamentos de diagnóstico e de imagens de última geração pode ter alto custo. Nesses casos, um exame de sangue com biópsia líquida poderia oferecer uma alternativa a ser usada com mais regularidade, enquanto a geração de imagens em laboratórios hospitalares centralizados poderia ser feita com menos frequência. Isso reduziria o custo dos cuidados e o tempo fora do trabalho”, afirma o também codiretor do Centro para Design Avançado e Produção de Microfluídicos Integrados da Universidade de Illinois.
Embora possibilitem a criação de aparelhos menos invasivos, as CTCs também carregam desafios. Um deles é a difícil detecção delas no sangue, uma vez que existe a expectativa de um biomarcador para cada bilhão de células sanguíneas. Em um tubo de coleta de sangue comum, de 7,5 mililitros, por exemplo, podem haver 10 indicadores cancerígenos e 40 bilhões de outras partículas. Os números demandam equipamentos assertivos e bem preparados para procurar “uma agulha no palheiro”, de acordo com os pesquisadores.


Busca por equilíbrio:A proposta da equipe de Papautsky é um chip construído a partir do polidimetilsiloxano (PDMS), polímero barato, comumente utilizado nas universidades. A peça conta com dois minitubos paralelos, dois espaços de entrada e dois de saída. A partir dessa estrutura, são acrescentadas amostras de sangue em uma abertura e, na outra, um composto chamado tampão fosfato-salino (PBS), um diluente com concentração salina semelhante à do corpo humano.
As células cancerígenas são selecionadas a partir do tamanho diferenciado das demais. Essa propriedade é útil na separação graças às pressões hidrodinâmicas que as partículas sanguíneas sofrem do meio em que estão. “Usamos a inércia de fluido ao redor das células em canais de microescala para focá-las em fluxos bem definidos. As células param em diferentes posições sob influência de forças hidrodinâmicas e se estabilizam onde essas forças se equilibram”, detalha Papautsky. 
Segundo o pesquisador, existem duas forças envolvidas no processo: uma que surge a partir da velocidade das partículas no fluido e outra proveniente das paredes do tubo. Tanto as CTCs quanto as demais células buscam uma posição em que essas duas forças se equilibrem.
No caso das partículas maiores, como os biomarcadores cancerígenos, a busca pelo equilíbrio as impulsiona para o tubo ao lado, isto é, para o canal em que o PBS está passando. A transferência de um lado para o outro é otimizada pela diferença de concentração entre a amostra de sangue e o tampão fosfato-salino. No fim do processo, as CTCs que estavam com as demais partículas sanguíneas são recolhidas em uma abertura de saída juntas ao PBS. Já o sangue, agora sem os biomarcadores, sai pela abertura paralela.


Testes para testar a nova tecnologia de biópsia líquida, os pesquisadores colocaram, no chip, uma amostra de 5ml de sangue diluído com 50 células cancerígenas. Ao fim do processo, 93% dos bioindicadores foram recuperados.  A equipe também analisou porções sanguíneas de oito pacientes diagnosticados com câncer no pulmão. Nesse caso, o dispositivo recuperou as células tumorais circulantes (CTCs) em seis amostras.
“Nós não sabemos as razões pelas quais a tecnologia foi incapaz de isolar CTCs nas outras duas. Primeiro, é possível que esses pacientes tivessem um número muito pequeno dessas células, mas não conseguimos recuperá-las, já que nossa taxa de recuperação está em torno de 85% a 90% e poderíamos tê-las perdido. Segundo, é possível que exista uma razão fisiológica pela qual esses pacientes não tiveram CTCs no sangue”, justifica o líder da pesquisa.

Além da eficiência na separação, os cientistas avaliaram a quantidade de falsos positivos do chip, ou seja, as células que, mesmo não sendo cancerígenas, migraram para o lado do aparelho em que devem ficar as estruturas do tumor. Em testes com 5ml de sangue e 10 CTCs, obtiveram resultados com 87% de pureza na saída. “Essa característica é importante para a análise porque, quanto mais pura for a fração de célula isolada, menor será o ruído do sinal”, explica Papautsky. Soluções desenvolvidas por outros centros de estudos alcançaram taxas de 60% a 80%, de acordo com o pesquisador.


Com esses resultados, a equipe avalia que detecções mais puras e certeiras virão em breve. A ferramenta ainda não contabiliza as células detectadas, precisando de um equipamento externo para a tarefa. Papautsky não descarta a possibilidade de incrementar essa função ao dispositivo e pontua que planeja “fazer mais trabalhos com mais pacientes para confirmar as descobertas”, além de estender os testes a outros tipos de câncer de pulmão.
“Em algumas populações rurais ou de baixa renda, (…) um exame de sangue com biópsia líquida poderia oferecer uma alternativa a ser usada com mais regularidade (…) Isso reduziria o custo dos cuidados”, diz Ian Papautsky, pesquisador da Universidade de Illinois e um dos autores do artigo. Como funciona: Aparelho detecta células tumorais presentes em amostra sanguínea:

1. O microchip, feito do polímero PDMS, utiliza propriedades da hidrodinâmica para separar indicadores de câncer de outras partículas.2. Em uma das extremidades da peça, existem aberturas que dão acesso a dois tubos paralelos.3. Em uma das entradas, é colada a amostra de sangue do paciente. Na outra, diluente tampão fosfato-salino, também chamado de PBS.4. Durante o percurso no interior do tubom, as células sanguíneas sofrem a ação de forças hidrodinâmicas. As partículas buscam uma posição no canal em que as forças se equilibrem.5. No caso das células maiores, como as células tumorais circulantes (CTCs), o equilíbrio só acontece quando elas se movem para o tubo ao lado, onde passa o PBS. A passagem de um tubo para o outro é potencializada pela diferença de concentração entre a amostra sanguínea e o PBS.6. Ao fim do processo, saem dois produtos dos tubos: a amostra de sangue, agora sem os indicadores cancerígenos; e o PBS, com as CTCs separadas.7. A intenção é de que, no futuro, o dispositivo possa permitir biópsias líquidas rápidas e baratas para ajudar a detectar o câncer e desenvolver planos de tratamento direcionados. Testes: Amostras de sangue de 5ml e com 50 CTCs foram colocadas no dispositivo. Ele conseguiu resgatar 93% das células indicadoras de câncer. Quanto à ocorrência do falso positivo, os pesquisadores atingiram pureza de 87% em testes com amostra com 10 CTCs em 5ml de sangue.

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