BELO HORIZONTE – Daniel Alves é uma figura absolutamente extraordinária, sob todos os aspectos. Jogador mais vitorioso da história do futebol – 39 títulos –, o baiano de Juazeiro se destaca por suas qualidades em campo e personalidade fora dele. Sempre foge do óbvio, é direto e expansivo. Aos 36 anos, vive um dos momentos mais brilhantes de sua carreira na seleção brasileira, da qual passou a ser o capitão depois do “castigo” de Tite a Neymar. Contra a Argentina, o lateral esbanjou frieza e ganhou, merecidamente, o troféu de melhor em campo nesta terça-feira, 2, no Mineirão. Na prática, Daniel Alves é o grande craque desta equipe marcada pela solidez defensiva e carente de referências. É uma pena, no entanto, que, diante dos microfones, venha adotando uma postura de confronto, que não combina com sua forma alegre de ser.

Desde o início da competição, Daniel vem sendo uma espécie de porta-voz das mágoas do grupo. Na abertura, reclamou do ambiente frio e de “clubismo” no Morumbi, depois da vitória sobre a Bolívia. “Estamos acostumados, sempre acontece isso aqui em São Paulo. Os torcedores não conseguem separar os clubes da seleção, mas é isso, nós somos os que jogam e o mais importante é não se deixar contagiar dessa energia”, afirmou, na zona mista do estádio do São Paulo, seu clube do coração. Disse também que na Bahia, sua terra natal, o “axé seria diferente”. Até foi, mas como a seleção foi mal novamente, o empate em 0 a 0 com a Venezuela terminou sob vaias e até gritos de olé para o rival. Pois Daniel sabe, mais do que ninguém, que a cobrança é proporcional às expectativas que na seleção sempre são altas.

Suas declarações mais desastradas vieram depois do terceiro jogo. Ainda que com a intenção de exaltar o apoio na Arena Corinthians, cometeu o grave erro de relacionar patriotismo a algo que ocorre em um jogo de futebol. “Se você nos vaia, está vaiando o seu país. Então já se viu que quando estamos conectados, quando estamos juntos o resultado vem, a energia é positiva. É isso que a gente quer”, declarou Daniel, que com este tipo de opinião atraiu exatamente o contrário: vibrações negativas. Já na madrugada desta quarta-feira, 3, depois da exibição de gala contra a Argentina, Daniel voltou a celebrar com uma ponta de revanchismo.

“A nossa vitória é pro nosso estafe. Eles apanham muito e a gente dedica a eles. Eu acredito que muitas pessoas duvidam bastante da gente, só que a gente confia muito no estafe, confia muito na nossa proposta, no nosso trabalho, dedicado e aplicado”, desabafou, à Rede Globo, sem explicar sobre a quem se referia exatamente. Justiça seja feita: Daniel é um sujeito amável, sempre disponível e educado com a imprensa. Mas, talvez até como uma forma de se automotivar, vem usando a tática, tão comum a outras figuras famosas da bola, de procurar fantasmas e inimigos onde não há. Em outra proporção, faz lembrar um pouco Dunga, o capitão rabugento que, com a taça do tetra de 1994 na mão, preferiu xingar os críticos a curtir o momento.

Ironicamente, uma das frases de Daniel Alves que mais causaram controvérsia nesta Copa América foi justamente a mais coerente. “Não gosto de comparações, mas acredito que eu tenha a raça do Cafu e a qualidade do Jorginho“, comentou. Daniel é mesmo um craque da posição, ainda que sua sinceridade possa ter soado antipática – afinal, a maioria do público prefere o discurso padrão, mais “humilde”, ou, neste caso, hipócrita. Os haters trataram de lembrá-lo nas redes sociais que a grande diferença entre Daniel e seus antecessores é que ele não conquistou uma Copa do Mundo. Mas bem que poderia. Suas atuações de altíssimo nível, aos 36 anos, fazem pensar no tamanho da falta que fez na Copa do Mundo da Rússia, da qual foi desfalque por lesão. E que nada o impede de chegar, aos 39, na Copa do Catar em 2022. Se ainda havia quem contestasse sua qualidade, certamente não há mais depois desta Copa América. Diante deste cenário tão favorável, Daniel deveria sorrir mais – e parar de caçar inimigos ocultos.

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